Como coletar e analisar dados qualitativos a partir de vídeos

Ajuda e dicas para pesquisa, teste de usabilidade ou entrevista com o usuário

Lucas Maia
Accenture Digital Product Dev

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No universo de design e produto, muito se fala sobre os benefícios de uma pesquisa, teste de usabilidade ou entrevista com o usuário. Mas e aí, como fazer? Qual a melhor forma de analisar isso tudo depois? A leitura de hoje é sobre isso.

Dentre todas as técnicas que temos por aí, te trarei as vantagens de utilizar vídeos para conduzir seus processos qualitativos. Dicas importantes sobre a coleta e processamento desses dados, e por fim, como analisar e reportar os resultados de maneira eficiente.

Esse conteúdo foi inspirado em uma palestra do UX Researcher Geoff Robertson.

Para começar, o que são dados qualitativos?

Muitas vezes acabamos confundindo dados qualitativos e quantitativos, mas a diferença é muito simples.

Os dados quantitativos, como o próprio nome já diz, se referem a quantidade. São dados estatísticos focados em número e percentual, e servem como base para medir resultados e gerar conclusões em uma pesquisa.

Enquanto isso, os dados qualitativos são como aquelas questões abertas da época do colégio que terminavam com “Justifique sua resposta”. Dados qualitativos visam descobrir o porquê, receber opiniões e pontos de vista. Uma pesquisa qualitativa tem como foco entender o que o usuário pensa, o que o motiva e como ele age. É um método puramente exploratório.

Exemplo quantitativo e qualitativo

As vantagens de utilizar vídeos nos processos qualitativos

  1. Nossa atenção é limitada e nossa memória é falha. Isso faz parte de nós como seres humanos. E não estamos livres disso quando coletamos este tipo de dado.
  2. Grave uma vez, analise o quanto for necessário. Vídeos são como o DeLorean, um artefato que serve como máquina do tempo. Ele nos dá a oportunidade de se transportar inúmeras vezes para o início e analisar detalhadamente o que você está estudando.
  3. Vídeos são aplicáveis a vários métodos diferentes de pesquisa. Entrevistas com usuário, testes de usabilidade, pesquisa de campo, card sorting, e muitos outros. A realidade é que, qualquer processo ou dinâmica em que você consiga absorver interações de um indivíduo ou grupo, é um método com potencial para aplicar o uso de vídeos.
  4. Análises e relatórios mais efetivos. Podendo analisar continuamente o mesmo material, a probabilidade de acabar esquecendo de alguma informação é quase nula. Com isso, geramos análises muito mais completas e eficientes.
  5. Visibilidade dos processos para o time. O que no modo convencional seria impossível, com os vídeos abrimos janelas para que todo o time acompanhe as descobertas destes processos em que normalmente não estariam inseridos.
  6. Adaptativo e de baixo custo. A aplicação de vídeos funciona em muitos cenários de trabalho diferentes. Esteja você em um freelance, startup ou multinacional, você não precisa de nada além de um computador, uma câmera ou um software de captura de imagem.
  7. Funciona em qualquer tipo de dispositivo. No geral, acabamos tendo mais contato com os aparelhos mais populares, tais como o celular, tablet e o computador. Mas a aplicação de vídeo encaixa muito bem em aparelhos que não são tão tradicionais assim, como um caixa eletrônico ou uma calculadora gráfica.
  8. Estudo de interações 2D e 3D. Como UX/UI Designer, meu trabalho está muito ligado a interface (2D), mas o 3D também pode servir de objeto de estudo. Um software para quartos de hospital ou uma lousa digital, por exemplo, que já é até uma realidade em algumas escolas no Brasil.
  9. Ninguém precisa sair de casa. O momento de pandemia que vivemos desde 2020 nos trouxe a oportunidade de reinventar muitos processos que costumavam ser em espaços físicos. Testes de usabilidade pelo Google Meet, entrevistas pelo Whatsapp e pesquisas pelo Google Forms: uma infinidade de ferramentas e possibilidades que estão em nosso cotidiano e auxiliam nosso dia a dia.

Coleta

A primeira etapa é, com toda a certeza, a parte mais desafiadora do processo. Precisamos ter muito cuidado para coletar esses dados de uma forma não invasiva, uma vez que isso pode afetar a performance do usuário e, consequentemente, os nossos resultados.

Para isso, identificar o cenário em que vamos aplicar nossa pesquisa é muito importante. Listei alguns deles aqui:

Individual

Individual. Cada usuário tem seu próprio dispositivo. Um computador, tablet, celular, caixa eletrônico, etc. E ele é providenciado por aquele que está fazendo o teste.

Bring your own device

Bring your own device (BYOD). Em tradução livre, traga seu próprio dispositivo. Como o nome sugere, cada usuário utiliza seu próprio aparelho. Isso pode trazer pessoas de universos completamente diferentes, como usuários de Android e iPhone.

Colaborativo

Colaborativo: Em um cenário colaborativo, temos mais de um usuário utilizando o mesmo dispositivo para completar uma tarefa. Algo muito comum em escolas, por exemplo.

Equipe

Equipe: Neste caso, temos um grupo que atua separadamente em seu próprio dispositivo. Entretanto, a equipe está trabalhando cooperativamente em um mesmo artefato.

Beleza. E agora, como coletar?

Como falamos antes, hoje ninguém precisa sair de casa para aplicar estes processos. A pandemia mudou nosso estilo de vida. As aulas são online, os shows são lives no Youtube e o encontro com a família é por chamada de vídeo. O mundo ficou conectado. E os processos de pesquisa abraçaram essa mudança.

Na maioria dos cenários, tudo que você precisa é um software de gravação de áudio e imagem e os usuários, é claro. Fazemos uma chamada de vídeo, o usuário compartilha a tela, e agora é só aplicar o roteiro de pesquisa.

Mas ainda sim, nos casos em que ainda precisamos de uma contato presencial, vai aqui algumas dicas valiosas:

Mobius Action Camera

Mobius Action Camera: Uma câmera versátil e muito mais acessível que uma Go Pro. Ela tem memória e bateria integrada, grava áudio e conta com duas lentes diferentes. Uma delas, a Standard, funciona bem para capturar o manuseio de um dispositivo. A outra, Fisheye, é uma boa pedida para capturar todo o ambiente em que está fazendo a pesquisa.

Tripé

Tripé: Este é um acessório muito importante quando pensamos na qualidade da imagem que estamos capturando, principalmente durante o manuseamento do dispositivo.

Tenha uma câmera para capturar o ambiente: Ela é muito importante para registrar as expressões faciais e a linguagem corporal dos participantes enquanto fazem as tarefas. Elas podem dizer muito sobre sua experiência.

Sincronização: Em cenários nos quais temos mais de uma câmera, a câmera de ambiente é sempre a primeira a ser ligada e a última a ser desligada. Dessa forma, seu arquivo de filmagem será maior, o que vai ser mais fácil de sincronizar os vídeos durante a edição.

Grid

Grid: No software de edição de sua preferência, você pode montar um grid com as marcações de cada participante/câmera. E isso vai facilitar muito no estudo desse conteúdo. Além disso, uma marcação de tempo também é importante, para que ele seja consistente entre um arquivo e outro.

Transcreva seus vídeos: É uma função popular nos softwares de edição disponíveis no mercado, e vai poupar muito muito do nosso tempo, principalmente quando se trata de uma entrevista com usuário.

Análise

Esse é o momento que identificamos os caminhos e as decisões do usuário para completar cada tarefa em um teste de usabilidade, entrevista com usuário ou em um trabalho de observação.

Vamos assumir que a partir daqui você já tenha feito seu roteiro de pesquisa, já tenha coletado todo o material e processado os vídeos para podermos analisar.

Template #1: Teste de usabilidade

Na primeira sessão, temos uma área para numerar os participantes da pesquisa (1) e uma área para as tarefas do seu roteiro (2), na qual faremos as marcações de sucesso e falha de cada usuário por meio de cores (verde e vermelho, por exemplo).

Template #1: Teste de usabilidade — FOTO 1

Na segunda sessão, temos uma área para as notas (3 e 4) que extraímos enquanto assistimos aos vídeos de cada participante. Essas notas nada mais são que anotações de comportamentos relevantes do usuário para a sua análise, que você atribui as colunas de cada tarefa da primeira sessão (2). O ideal é que ela seja simples e genérica, para que possa ser aplicada para mais de um usuário na coluna de frequência (5).

A frequência vai quantificar o número de vezes que aquele comportamento aconteceu dentre os participantes. Exemplo: O participante um (P1) não conseguiu encontrar os filtros da sua tela de busca, e você fez uma nota. Na sequência, o participante dois (P2) teve uma jornada similar ao P1 e também não conseguiu encontrar. Em vez de fazer uma nova nota, você só aumenta a frequência para dois.

Por fim, uma coluna para indicar o tempo em que aquele comportamento aconteceu (6). Essa coluna é muito importante, uma vez que exemplifica de forma visual uma ação do usuário. Isso pode ser usado posteriormente para reportar os resultados para o time e aos stakeholders.

Após preenchido, o template ficaria mais ou menos assim:

Template #1: Teste de usabilidade — FOTO 2

No nosso exemplo, analisamos que a nota 3 se repete em dois testes diferentes nos quais o usuário falhou, e isso pode nos auxiliar a enxergar onde estão as falhas da nossa interface.

Template #2: Entrevista com usuário

Para uma entrevista com o usuário, a primeira sessão do nosso template conta com uma área para enumerar os participantes (1) e outra para as respostas das perguntas que fizemos para eles (2), separadas por coluna. Lembra da dica de transcrever seus vídeos? Esse momento é seu! Só copiar e colar no template, sem muito trabalho.

Template #2: Entrevista com usuário — FOTO 1

Na segunda sessão, assim como no template anterior, também temos uma área para as anotações (3), mas dessa vez, separadas para cada uma das questões que temos em cima. Ao lado delas, temos a coluna de frequência (4) mais uma vez, para quantificar as vezes em que nossos apontamentos estão acontecendo.

Template #2: Entrevista com usuário — FOTO 2

Exemplo prático: Começando pelo participante 1, assim como no exemplo anterior, preenchemos as notas com base na resposta dele. Depois vamos para a resposta do participante 2 e fazemos o mesmo. Caso alguma resposta e/ou comportamento seja em comum com o primeiro usuário, aumentamos o número da coluna de frequência. E assim sucessivamente.

Template #3: Observação

Nosso terceiro template é para um trabalho de observação, e além das colunas que já estamos acostumados a partir dos exemplos anteriores, desta vez contamos com uma coluna de contexto (1). Como o próprio nome já diz, seu intuito é contextualizar uma nota a um elemento da nossa interface, que pode ser uma caixa de texto, um botão, filtro, etc.

Template #3 Observação — FOTO 1

Na prática, iniciamos o vídeo do primeiro participante. Vamos supor que ele não consegue digitar em uma textbox que temos na nossa interface. Como de costume, fazemos a nossa anotação, e como isso tem a ver com um elemento de Texto, adiciono essa nomenclatura na coluna de contexto (1). E assim sucessivamente.

Dicas úteis:

  1. Caso precise exemplificar algum comportamento com imagens, você também pode adicionar uma marcação de tempo ao lado da sua nota.
  2. A coluna de frequência pode nos ajudar, inclusive, na priorização das melhorias que são levantadas na pesquisa, uma vez que conseguimos identificar com mais facilidade onde estão os maiores gargalos.
Template #3 Observação — FOTO 2

Para finalizar, podemos agrupar nossas notas de acordo com o contexto em que elas se encaixam. No nosso exemplo, sabemos que a maioria dos nossos problemas estão relacionados a Texto:

Template #3 Observação — FOTO 3

Template #4: Observação em grupo (ambiente colaborativo)

Por fim, vamos falar de outra nuância de um processo de observação: uma dinâmica colaborativa, na qual cada usuário é responsável por uma parte/etapa de um artefato que está sendo feito em conjunto.

Nesse template contamos coluna para indicar o número do participante (1), uma coluna para indicar as notas (2) e uma coluna com uma marcação do tempo (3) em que aquela nota aconteceu.

Template #4: Observação em grupo (ambiente colaborativo) — FOTO 1

Exemplo prático: Começamos o vídeo do primeiro participante, e aos 35 segundos desse vídeo, anotamos o primeiro comportamento relevante. E assim como nos outros processos, repetimos essa ação até o final do vídeo de cada um dos participantes. Nosso resultado é mais ou menos esse aqui:

Template #4: Observação em grupo (ambiente colaborativo) — FOTO 2

E é agora que a mágica acontece. Graças às marcações de tempo que atribuímos, podemos reordenar nosso template em uma linha do tempo real. Isso permite que possamos rever essa série de fatos em ordem cronológica, e consequentemente, podemos enxergar mais facilmente como as ações de um usuário impactam nas dos outros.

Template #4: Observação em grupo (ambiente colaborativo) — FOTO 3

Notas finais

Independente do método de pesquisa ou do contexto do seu projeto, qualquer processo qualitativo se encaixa muito bem com o uso de vídeos. Em todos os casos, você garante uma análise mais assertiva e completa do comportamento do usuário, podendo “voltar no tempo” quantas vezes forem necessárias para garantir a fidelidade da sua análise.

Os templates, por si só, já são artefatos ricos em informação. Além disso, a possibilidade de quantificar os resultados são super relevantes para uma apresentação para o time, ou até mesmo para priorizar as melhorias com o seu Product Owner.

Agora é só encontrar qual formato se adequa ao seu contexto, ou criar o seu próprio com base nos conceitos que vimos até aqui. E se você quiser trabalhar em um time de product designers que estão o tempo todo se atualizando e estudando a experiência do usuário, é só dar uma olhada aqui e se candidatar a uma de nossas vagas.

Até a próxima! :)

LinkedIn: @lmaias

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Lucas Maia
Accenture Digital Product Dev

UX/UI Designer, Geek, Traveler. Leveling up since the 90's